O Brasil que vi de dentro da trincheira política
De manifestações de rua a eleições, dos becos da exclusão às tribunas digitais — a trajetória de uma educadora que virou ativista e colunista, em uma década de lutas por dignidade e propósito político.
Júlia Giovanni
01/01/2025 05:21, atualizado 07/07/2025 08:15
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Nasci em Tarumirim, interior de Minas, em uma casa onde a fé e a luta andavam lado a lado. Meu pai dizia que o mundo era para os que ousam sonhar alto, mas minha mãe lembrava que sonhar, sem cuidar do outro, era vaidade. Cresci entre a terra vermelha do quintal e as páginas amareladas dos livros didáticos da escola pública. Talvez tenha sido ali, entre merenda escassa e olhares cansados de professores heróis, que nasceu minha indignação.
Em 2013, quando as ruas do Brasil explodiram em protestos, eu não era colunista, nem candidata — era educadora social, com os dois pés fincados em comunidades esquecidas pelo poder público. Lembro da dor de ouvir uma mãe contar que preferia faltar ao trabalho a deixar os filhos sozinhos na favela onde o tráfico mandava mais que o Estado. Quando as manchetes falavam de “vandalismo”, eu via jovens gritando por um país que os reconhecesse como gente.
Depois, vieram os anos do cinismo institucional. Vi a Câmara dos Deputados votar o impeachment de Dilma Rousseff com votos “pela família” e “em nome de Deus”, enquanto os esquemas de corrupção corriam soltos nos bastidores. Vi também colegas professores sendo perseguidos por ensinar Paulo Freire, e adolescentes negros sendo julgados como culpados antes mesmo do boletim escolar. Ali decidi: não bastava educar — era hora de ocupar espaços de fala, de voto e de luta.
Entrei no mundo digital primeiro como quem escreve desabafos. Mas meus textos encontraram outras vozes — vozes como a minha, que estavam engasgadas. Com o tempo, ganhei um espaço como colunista no Política de Propósito, mas nunca abandonei a rua, o corpo-a-corpo, o olho no olho. A política nunca foi para mim uma carreira, mas uma extensão do que vivi na pele.
Em 2018, vi o Brasil mergulhar em um clima de desinformação e medo. Vi amigas serem atacadas por se declararem feministas, vi educadores serem silenciados por falarem em direitos humanos, vi o país dividir famílias com memes e fake news. Assisti a tudo isso sem romantizar. Sabia que aquele buraco era mais antigo — cavado pela desigualdade, pelo racismo estrutural e por uma elite que se alimenta da apatia coletiva.
Foi então que decidi me candidatar. Não por vaidade, mas por desespero e esperança. Sabia que seria difícil romper os pactos históricos que mantêm a política nas mãos dos mesmos sobrenomes. Mas não entrei para vencer — entrei para furar a bolha, para plantar dúvida, para dizer que é possível pensar em política com afeto, com técnica e com verdade.
Durante a pandemia, ouvi mães chorando por não conseguirem acessar o Auxílio Emergencial. Vi adolescentes abandonarem a escola para trabalhar. Vi a fome voltar e a esperança minguar. Foi um tempo de luto, mas também de aprendizado. Aprendi que solidariedade salva mais do que discurso bonito, e que às vezes um post no Instagram pode alimentar mais que um panfleto vazio.
E quando achamos que a dor não podia crescer, veio o 8 de janeiro. Assistir à invasão dos Três Poderes não foi só um choque institucional — foi um tapa no rosto de quem sempre defendeu a democracia como ferramenta de transformação. Ali, percebi que o fascismo não veste uniforme antigo — ele se disfarça de indignação seletiva e se alimenta da nossa omissão cotidiana.
Hoje, sigo sendo educadora, colunista, mãe e cidadã. Sigo escrevendo e caminhando. Não sei o que o Brasil me reserva em 2026, mas sei o que não aceito mais: silenciamento, mentira e descaso. A política de propósito, para mim, é mais que um nome de blog. É um chamado.
O que mais verei daqui para frente? Quem sabe? Um país que finalmente leva a sério a infância pobre, que protege seus professores, que valoriza a verdade como patrimônio nacional. Eu sigo acreditando. Porque acreditar é, também, um ato político.
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